domingo, 12 de junho de 2011

Post Musical - Em ritmo de São João!



Posto esta música em resposta à vida e ao tempo. Que ele se encarregue de sepultar as lembranças, mesmo as boas.



Tareco e Mariola
Composição : Petrúcio Amorim


Eu não preciso de você,
o mundo é grande o destino me espera,
não é você que vai me dar na primavera
as flores lindas que sonhei no meu verão.

Eu não preciso de você,
já fiz de tudo pra mudar meu endereço,
já revirei a minha vida pelo avesso,
juro por Deus, não encontrei voce mais não.

Cartas na mesa,
bom jogador conhece o jogo pela regra,
não sabes tu que já tirei leite de pedra,
só pra te ver sorrir pra mim não chorar.

Você foi longe,
me machucando provocou a minha ira,
só que eu nasci entre o velame e a macambira,
quem é você pra derramar meu munguzá

Eu me criei
ouvindo o golpe do martelo na poeira,
ninguém melhor que mestre Osvaldo na madeira,
com sua arte criou muito mais de dez.

Eu me criei
matando a fome com tareco e mariola,
fazendo versos dedilhados na viola
por entre os becos do meu velho Vassoural

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Quando eu fiz trinta anos...



No ano em que eu fiz trinta anos, o terrorista mais procurado do mundo, o saudita Osama Bin Laden, foi encontrado numa mansão em Abbutabad, no Paquistão, próximo à uma base militar e morto, depois de quase doze anos desde que assumira a autoria dos ataques às Torres Gêmeas do World Trade Center, nos Estados Unidos.

No ano em que eu fiz trinta anos, foram encontradas as caixas pretas do A330 da Air France, que fazia a rota Rio de Janeiro Paris (Võo 447), vitimando 228 pessoas, o que ajudaria a esclarecer um dos maiores desastres da história da aviação mundial.

No ano em que eu fiz trinta anos um terremoto, um tsunami e um desastre nuclear na usina de Fukushima quase dizimaram o Japão.

No ano em que eu fiz trinta anos, Lars Von Trier, cineasta dinamarquês, deu uma declaração infeliz no Festival de Cannes, dizendo que "entendia Hitler", durante uma coletiva.

No ano em que eu fiz trinta anos o Barcelona venceu a Liga dos Campeões numa final histórica disputada no estádio de Wembley, em Londres, contra o Manchester United, time do qual aprendi a gostar por causa do Morrissey, meu alter-ego masculino (I've been dreaming of a time wheeeeeeeeen...)

No ano em que eu fiz trinta anos, um jovem, que sofria sérios distúrbios mentais, abriu fogo contra alunos em uma escola em Realengo, no Rio de Janeiro, vitimando 12 adolescentes, deixando feridos outros seis, abrindo uma discussão maior sobre o Bullying e os seus efeitos.

No ano em que eu fiz trinta anos, Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, visitou o Brasil pela primeira vez.

No ano em que eu fiz trinta anos, a união civil entre pessoas do mesmo sexo foi aprovada pelo Governo Brasileiro.

No ano em que eu fiz trinta anos, descobriu-se uma nova droga, o Oxi, um produto entre a pasta base de cocaína e a cal, mais barata e 10 vezes mais mortal do que o crack, e isto virou uma verdadeira epidemia no meu país.

No ano em que fiz trinta anos, vi correrem boatos de enchentes semelhantes a de 1979 na minha cidade natal, Recife, espalhando o pânico entre as pessoas, mergulhando a cidade num caos generalizado.

No ano em que fiz trinta anos, vi o Sport Club do Recife, meu time do coração, fazer uma campanha pífia, ridícula, mas mesmo assim, se classificar para as finais do campeonato pernambucano. Porém, perdeu a oportunidade de ser Hexa Campeão, diante do Çanta Crui, um time da 4ª divisão do campeonato brasileiro. (Não, não foi no dia 01 de abril).

No ano em que eu fiz trinta anos, vivi uma curta, porém intensa história de amor, que me deixou em frangalhos, mas me fez refletir sobre os sentimentos (ou a falta de) alheios. Permiti-me a isto, e me magoei. Mas, como diria uma amiga querida, Vânia Medeiros, borboleta como eu, prefiro a dor a nada sentir.

No ano em que fiz trinta anos, me matriculei na minha pós-graduação dos sonhos, realizei o sonho de ensinar em cursos profissionalizantes de segurança do trabalho, saí da Compesa e fui para o Banco do Nordeste, depois de quase um ano de espera desde a homologação do concurso.

Tudo isso aconteceu no ano em que eu fiz trinta anos.

E querem saber?

Que venham os próximos trinta!

Feliz aniversário, Ericka Campos. Feliz aniversário para mim!

Amigos queridos, muito obrigada por tudo!

By Melonella.

Now listening: Maravida, by Gonzaguinha.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Papai da Cidade - Por Pedro Lazera




Você viu seu time cambalear desde o início do campeonato.
Aturou mais segunda-feiras ingratas do que qualquer um em 2011.
Viu reforços entrando por uma porta e saindo pela outra.
Você teve a pressão como a maior companheira desde a primeira rodada.
Perdeu para os pequenos, caiu contra os miúdos.
Viu a maior esperança de gols do seu time enfrentar a escuridão.
Você viu parcos momentos de bom futebol.
Vibrou a vitória contra o lanterna da competição como se fosse um título.
Viu goleiro virar atacante, viu atacante virar goleiro.
Você foi motivo de chacota para os rivais e para os orixás.
Perdeu rapidamente a chance de conquistar mais uma estrela dourada.
Você viu seus rivais triunfando, sendo notícia.
Teve que ver a pior campanha do seu time na história.
Foi a campo, enfrentou chuva, sol, cambista, briga de organizadas.
Enfrentou a distância, a internet lenta, o PFC que não passa.
Você saiu derrotado em todos os clássicos.
Viu a possibilidade real de não se classificar para as finais.
Mas você se classificou.
Aos trancos e barrancos, na corda-bamba.
Sem regularidade, sem a formação ideal.
Você se classificou.
E logo de cara, teve que enfrentar o grande favorito.
Aquele que terminou dez pontos à sua frente.
Aquele com o melhor ataque, aquele que jogava melhor.
Aquele com o grande craque da competição.
Aquele que treme.
Dentro do campo, você viu o duelo do time que estremece a terra contra o time que estremece as pernas.
Fora de campo também.
De repente, você ficou rico.
Disseram que você comprou jogador, comprou juiz, comprou trinta e nove campeonatos.
A única coisa que você comprou foi a briga.
Acreditou, vibrou, viu o tempo parar.
Você viu o Rei Carlos Magnum Trinta e Oito ser coroado mais uma vez o Rei de Pernambuco.
Viu a bola de Bruno Mineiro passar por cima do goleiro.
A mesma bola que ele, com as pernas trêmulas, entregou.
Você viu um gol legítimo ser anulado.
Viu o choro.
Nas arquibancadas rosas, na coletiva de imprensa, nas redes sociais.
Você viu milhares de alvirrubros entrarem para a lista de pessoas desaparecidas.
Haja caixa de leite pra caber a foto de todo mundo.
Você viu o fenômeno da telefonia. Alvirrubros perderam seus números de telefone, as baterias acabaram, os celulares foram esquecidos em casa.
O twitter alvirrubro baleiou, gente cometeu orkutcídio, desistiu do facebook.
Você já viu isso antes. Trinta e nove vezes.
Você lutou, sofreu, e por tradição, venceu.
Mas você está com os pés no chão.
Porque sabe que é assim que se comportam os grandes.
E o mais importante.
Diferente de outros, você sabe que um campeonato só se comemora no final.

Torcedor da Barbie: se eu fosse você, nunca mais colocava o carro na frente dos bois. Ou melhor: do boi.

Sopas - Por Rubem Alves




"Se Deus me dissesse para escolher a comida que eu iria comer no céu, por toda a eternidade, eu não teria um segundo de hesitação: escolheria sopa. Camarão, picanha maturada, salmão à Dali, os pratos mais refinados: tudo me seria insuportável após umas poucas repetições. Mas não é assim com as sopas. Posso tomar sopa por toda a eternidade, sem me cansar.

Minha relação com as sopas é mais que gastronômica: é uma relação de ternura. Elas me reconduzem à cozinha de minha casa de menino, ao fogão de lenha, às tardes de inverno. A janta (janta, mesmo; jantar é coisa de rico) era servida às 5 da tarde. Ah! Uma sopa quente que se toma numa tarde fria é uma lareira que se acende no estômago. O calor, aos poucos, se espalha pelo corpo. Com umas gotinhas de pimenta, então, ele se transforma em suor, e se a gente não usa o guardanapo a tempo, as gotas de suor na testa acabam por cair no prato da sopa...

Para mim a sopa é um sacramento de intimidade: um objeto físico, presente, no qual vive uma felicidade que se teve, ausente. A sopa quente me transporta para outros lugares, outros tempos. Faço e gosto de sopas frias. Sopa fria de maçã, por exemplo, tem um sabor exótico. Agrada-me ao paladar. Mas falta a essas sopas sofisticadas o elemento sacramental: elas não me levam a lugar algum. Falta-lhes o calor para me reconduzir ao espaço de intimidade.

Sopa é comida de pobre. Sopa fina, creme de aspargos, creme de palmito, sopa gelada de maçã, é nobreza posterior. As sopas fundamentais se fazem com sobras. Sobra, é só pobre quem guarda. Sopa é comida de guerra, de fome, quando qualquer raspa de comida é bem precioso, que não pode ser perdido. Rico não guarda sobra. Não precisa. É humilhante. Sobra de rico vai para o lixo. Sobra de pobre vai para o caldeirão de sopa. As sopas fundamentais se fazem com sobras, destinadas ao lixo. A sopa é uma poção mágica por meio da qual o que estava perdido é salvo da perdição e reconduzido à circulação da vida e do prazer.

A imaginação de Bachelard diz que a matéria também imagina. A água imagina arcos-íris. As sementes imaginam flores e árvores. O mármore imagina ‘Beijos’ (Rodin) e Pietás (Miguel Ângelo). O rios imaginam nuvens (Heládio Brito). As comidas também imaginam. O churrasco imagina espetos, facas, garfos: objetos fálicos, masculinos, infernais. O churrasco precisa de perfurações, cortes, dilacerações. As mandíbulas lutam com a carne. A carne resiste.

Já a sopa é mansa. Não é para ser comida. A colher é um côncavo, um vazio, o feminino. Nada é perfurado. O gesto é o de ‘colher’: a colher colhe, sem violência. Sempre tive implicância com uma etiqueta snob, para a tomação de sopa: que o delicado é tomar a sopa com o lado da colher, e não com o bico. Ora, ora - eu argumentava - por analogia a gente deveria comer comida sólida com o lado do garfo - o que não é possível. De fato. Não é possível. É que o garfo pertence à ordem dos talheres pontiagudos, perfurantes: entram pela frente. A colher pertence à ordem dos talheres discretos e modestos: entram pelo lado, mansamente...

Salvador Dali, quando menino, sonhava em ser cozinheiro. Preferiu a pintura e produziu suas maravilhosas telas surrealistas. O realismo, em pintura, se constrói sobre o pressuposto de que as coisas são aquilo que parecem ser, nem mais e nem menos. Os olhos, diante de uma tela realista, jamais experimentam a surpresa do impossível ou do impensado. O realismo confirma aquilo que os olhos comumente vêem. O surrealismo, ao contrário, acha que aquilo que os olhos comumente vêem é muito pouco: se olharmos com atenção perceberemos que as coisas são, ao mesmo tempo, o que são e também outras: elefantes se refletem nas águas de um lago como cisnes, cenários compõem o corpo erótico de uma mulher, o corpo de Cristo é transparente e através dele se vêem mares, montanhas e barcos. O realismo confirma o criado. O surrealismo recria o criado.

As sopas são a versão culinária do surrealismo. Tivesse realizado sua vocação primeira, Salvador Dali seria um especialista em sopas. Pois as sopas se fazem negando as coisas, na sua realidade natural bruta e transformando-as por meios das relações insólitas que o caldo torna possíveis. O caldo da sopa é o meio mágico que junta no caldeirão aquilo que, na natureza, nasceu separado. Creio ser impossível catalogar as combinações possíveis: fubá, trigo, batata, alho, cebola, nabo, cenoura, tomate, ervilha, ovo, abóbora, mandioca, cará, inhame, carne, peixe, galinha, mariscos, repolho, couve, beterraba, aspargo, palmito, feijão, arroz, queijo, azeitona, pão, maçã, abacate, temperos, pimentas, orégano, tandore - uma canja verdadeira não é canja se lhe faltarem algumas folhinhas de hortelã. E é preciso não nos esquecermos que sopa é a única comida que pode ser feita com pedra, como nos é relatado numa das estórias clássicas que se conta para crianças e adultos.

Gosto das sopas, ainda, por serem elas entidades do mundo dos magos, bruxas e feiticeiros. No mundo mágico não se usa churrasco. Magos, bruxas e feiticeiros fazem suas poções em enormes caldeirões de sopa, como é o caso de Panoramix, druida do Asterix e do Obelix, que prepara sua beberragem de força imbatível num caldeirão de sopa fervente.

Prefiro as sopas rústicas - e fazê-las me dá um grande prazer. A sopa de fubá em suas múltiplas versões, o caldo verde, a canja com hortelã, a multicolorida sopa de legumes: sopas são sempre uma alegria. As sopas rústicas dão permissão para se jogar nelas o pão picado. Haverá coisa mais feliz que isso? Reuno-me com alguns amigos, às 3as. feiras, para ler poesia, ao redor de um prato de sopa.

Uma última informação: sopas são remédios maravilhosos contra depressão. Quando a sopa quente, cheirosa, colorida e apimentada, bate no estômago, a tristeza se vai e a alegria volta. Não há melancolia que resista à magia de um prato de sopa... (Concerto para corpo e alma, p. 69.)"


Now listening: Nada. Só a TV, exibindo o ABTV! :) (Na foto, a minha sopa preferida, a de tomate!)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

To Be Or Not To Be - Parte II



HAMLET: Ser ou não ser... Eis a questão. Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes Morrer... dormir... mais nada... Imaginar que um sono põe remate aos sofrimentos do coração e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne, é solução para almejar-se. Morrer.., dormir... dormir... Talvez sonhar... É aí que bate o ponto. O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte, quando alfim desenrolarmos toda a meada mortal, nos põe suspensos. É essa idéia que torna verdadeira calamidade a vida assim tão longa! Pois quem suportaria o escárnio e os golpes do mundo, as injustiças dos mais fortes, os maus-tratos dos tolos, a agonia do amor não retribuído, as leis amorosas, a implicância dos chefes e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente, se estivesse em suas mãos obter sossego com um punhal? Que fardos levaria nesta vida cansada, a suar, gemendo, se não por temer algo após a morte - terra desconhecida de cujo âmbito jamais ninguém voltou - que nos inibe a vontade, fazendo que aceitemos os males conhecidos, sem buscarmos refúgio noutros males ignorados? De todos faz covardes a consciência. Desta arte o natural frescor de nossa resolução definha sob a máscara do pensamento, e empresas momentosas se desviam da meta diante dessas reflexões, e até o nome de ação perdem. Mas, silêncio! Aí vem vindo a bela Ofélia. Em tuas orações, ninfa, recorda-te de meus pecados.

OFÉLIA Como tem passado, príncipe, no correr de tantos dias?

HAMLET: Muitíssimo obrigado; bem, bem, bem.

OFÉLIA: Tenho algumas lembranças suas, príncipe, que há muito devolver eu desejara; receba-as, por favor.

HAMLET: Eu, não; eu, não; eu nunca te dei nada.

OFÉLIA: O príncipe bem sabe que é verdade, e com palavras de tão doce anélito, que o valor dos presentes aumentava. Mas, evolado o aroma, agora os trago. Os brindes se empobrecem, para uma alma bem-nascida, de par com os sentimentos de quem os dá. Ei-los aqui, meu príncipe.

HAMLET: Ah! Ah! És honesta?

OFÉLIA: Como assim, príncipe?

HAMLET: És bela?

OFÉLIA Que quer dizer Vossa Alteza com isso?

HAMLET: É que se fores, a um tempo, honesta e bela, não deves admitir intimidade entre a tua honestidade e a tua beleza.

OFÉLIA Mas, príncipe, poderá haver melhor companhia para a beleza do que a honestidade?

HAMLET: Realmente, que a beleza, com o seu poder, levaria menos tempo para transformar a honestidade em alcoviteira do que esta em modificar a beleza à sua imagem. Já houve época em que isso era paradoxo; mas agora o tempo o confirma. Cheguei a amar-te.

OFÉLIA: Em verdade, o príncipe me fez acreditar nisso.

HAMLET: Não deverias ter-me dado crédito, porque a virtude não pode enxertar-se em nosso velho tronco, sem que deste não remanesça algum travo. Nunca te amei.

OFÉLIA: Tanto maior é a minha decepção.

HAMLET: Entra para um convento. Por que hás de gerar pecadores? Eu, de mim, considero-me mais ou menos honesto, mas poderia acusar-me de tais coisas, que teria sido melhor que minha mãe não me houvesse dado à luz. Sou orgulhoso, vingativo, cheio de ambição, e disponho de maior número de delitos do que de pensamentos para vesti-los, imaginação para dar-lhes forma, ou tempo para realizá-los. Para que rastejarem entre o céu e a terra tipos como eu? Todos somos consumados velhacos; não deves confiar em ninguém. Toma o caminho do convento. Onde se encontra teu pai?

OFÉLIA: Em casa, alteza

HAMLET: Que lhe fechem as portas, a fim de impedirem que faça papel de tolo, a não ser em sua própria casa. Adeus.

OFÉLIA: Ajuda-o, céu de bondade.

HAMLET: Se tiveres de casar, dou-te por dote a seguinte maldição: ainda que sejas casta como o gelo e pura como a neve, não escaparás à calúnia. Vai; entra para o convento; adeus. Ou então, se tiveres mesmo de casar, escolhe um néscio para marido, porque os assisados sabem perfeitamente em que monstros as mulheres os transformam. Para o convento, vai; e isso depressa. Adeus.

OFÉLIA: Poderes celestiais, restituí-lhe a razão!

HAMLET: Conheço muito bem vossas pinturas; Deus vos deu um rosto e arrumais outro; andais aos pulinhos e com requebros, falais cheias de esses e dais nomes indecentes às criaturas de Deus, fazendo vossa leviandade passar por inocência. Vai; não insisto, porque foi isso que me deixou louco. O que digo é que não teremos casamentos; os que já são casados, com exceção de um, hão de continuar vivos; os de mais, prosseguirão como estão. Para o convento; vai!


(Sai.) OFÉLIA: Que nobre inteligência assim perdida!

O olho do cortesão, a língua e o braço do sábio e do guerreiro, a mais florida esperança do Estado, o próprio exemplo da educação, o espelho da elegância, o alvo dos descontentes, tudo em nada! E eu, a mais desgraçada das mulheres, que saboreei o mel de suas juras musicais, ter de ver essa admirável razão perder o som, qual sino velho, essa forma sem par, a flor da idade, fanada pela insânia! Ó dor sem fim! Ter já visto o que vi, e vê-lo assim!

 
Now listening: No Good For Me, by The Corrs.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

To be, or not to be...





Cena III

Um quarto em casa de Polônio.  Entram Laertes e Ofélia.

LAERTES: Tudo o que é meu já se acha a bordo; adeus. Cara irmã, se houver ventos benfazejos e navios no porto, não te ponhas a dormir: dá notícias.

OFÊLIA: E duvida-o?

LAERTES: O que respeita a Hamlet, e seu namoro, toma-o como capricho, simples moda, violeta que a estação produziu cedo, passageira e aromosa, não durável, perfume e refrigério de um minuto, nada mais.

OFÉLIA: Nada mais?

LAERTES: Isso, mais nada. Nosso corpo, ao crescer, não ganha apenas volume e músculos; o templo expande-se, e a par, também, se alarga o espírito e a alma com seu culto interior. É bem possível que te ame agora, sem que fraude alguma lhe macule a virtude do alvedrio. Mas deves ter cautela, que os de sua posição não são donos de si mesmos. Ele é escravo do próprio nascimento; não pode, como o faz gente do povo, eleger para si, que dessa escolha depende a segurança e o bem do Estado. Daí, necessitar subordiná-la ao voto e aprovação do corpo, cuja cabeça ele é. Se te disser que te ama, cumpre à tua prudência dar-lhe crédito na medida em que seja permitido passar do verbo à ação, o que mais longe não irá do que a voz da Dinamarca. Pensa na mancha, irmã, para tua honra, se desses ao seu canto ouvido crédulo e o coração perdesses, ou se abrisses o teu casto tesouro aos seus assaltos. Cuidado, irmã! Cuidado, Ofélia amiga! Fica na retaguarda dos anseios, a coberto dos botes dos desejos. Já prodigalidade é uma virgem revelar a beleza à própria lua. Da calúnia a virtude não se livra. Muitas vezes, o verme estraga as flores primaveris, bem antes de se abrirem. No orvalho e na manhã da mocidade o vento contagioso é mais nocivo. Sê cautelosa; o medo é amparo certo. A mocidade é imiga de si mesma.

OFÉLIA: Encerrarei no peito, como guardas, essas sábias lições. Mas, caro irmão, não faças como alguns desses pastores que aconselham aos outros o caminho do céu, cheio de abrolhos, enquanto eles seguem ledos a estrada dos prazeres, sem dos próprios conselhos se lembrarem.

LAERTES: Nada receies; mas é tempo; aí vem nosso pai.

(Entra Polônio.)

Dupla bênção, graça dupla. O acaso me concede este outro adeus.

POLÔNIO: Ainda aqui, Laertes? Para bordo! O vento se acha a tergo de tua vela; já te reclamam. Vai com a minha bênção, e grava na memória estes preceitos: Não dês língua aos teus próprios pensamentos, nem corpo aos que não forem convenientes. Sê lhano, mas evita abastardares-te. O amigo comprovado, prende-o firme no coração com vínculos de ferro, mas a mão não calejes com saudares a todo instante amigos novos. Foge de entrar em briga; mas, brigando, acaso, faze o competidor temer-te sempre. A todos, teu ouvido; a voz, a poucos; ouve opiniões, mas forma juízo próprio. Conforme a bolsa, assim tenhas a roupa: sem fantasia; rica, mas discreta, que o traje às vezes o homem denuncia. Nisso, principalmente, são pichosas as pessoas de classe e prol na França. Não emprestes nem peças emprestado; que emprestar é perder dinheiro e amigo, e o oposto embota o fio à economia. Mas, sobretudo, sê a ti próprio fiel; segue-se disso, como o dia à noite, que a ninguém poderás jamais ser falso. Adeus; que minha bênção tais conselhos faça frutificar.

LAERTES: Humildemente me despeço, senhor.

POLÔNIO: O tempo é curto; vai logo, que os criados já te esperam.

LAERTES: Adeus, Ofélia; guarda o que eu te disse.

OFÉLIA: Guardei-o na memória, e a chave a levas.

LAERTES: Adeus.

(Sai.)

POLÔNIO: Que palavras, Ofélia, ele te disse?

OFÉLIA: Se o permitis, falou de lorde Hamlet.

POLÔNIO: Ah, bem pensado. Já me disseram que ele te dispensa alguma intimidade e que tu própria tens sido liberal em dar-lhe ouvidos. Se é assim, de fato - o que me revelaram à guisa de advertência - devo ser-te franco: não te comportas com a prudência que compete à minha honra e à minha filha. Que é que há entre vós dois? Fala a verdade.

OFÉLIA Senhor, ultimamente fez-me muitas propostas de afeição.

POLÔNIO: Ora, afeição! Falas tal qual mocinha inexperiente do perigo de certas situações. E tu? Acreditas em tais propostas?

OFÉLIA: Não sei como pensar, meu pai, sobre isso.

POLÔNIO: Ouve, então: é preciso que não passes de um bebê, para teres recebido como moeda corrente essas propostas. Propõe agora juízo, se não queres - e a pobre frase o agüenta - para tolo me propor.

OFÉLIA: Mas senhor, sua insistência sempre foi de moral honrosa e digna.

POLÔNIO: Moral! Bela expressão. Adiante! Adiante!

OFÉLIA: E ele soube firmar os seus protestos de amor com os mais sagrados juramentos.

POLÔNIO: Conheço isso; armadilha para tordos. Sempre que o sangue ferve, à língua os votos que a alma não regateia vêm e esplendem com mais luz que calor para extinguirem-se à só promessa frustros antes do ato. Não os tomes por fogo. Doravante restringe a tua virginal presença; náo deves pôr muito elevado preço nessas propostas, como se ordens fossem para parlamentar. Enquanto a Hamlet, confia nele até este ponto: é moço, sobre dispor de corda bem mais frouxa, para andar, do que a tua. Em suma, Ofélia, descrê dos seus protestos; são agentes que desmentem a cor do hábito externo, mendigos de desejos inconfessos, que respiram candura e santidade para melhor lograrem. Novamente e em termos simples: doravante proíbo-te que sejas perdulária de teu ócio, pondo-te a conversar com lorde Hamlet.

Vê bem que o ordeno. E agora, põe-te a andar.

OFÉLIA Ser-vos-ei obediente.

Now listening: No Good For Me, by The Corrs

A estrela do Navio

A orientação pelas estrelas é um dos métodos naturais mais antigos, em todas as civilizações. As constelações mais usadas pelos Escoteiros, no Hemisfério Norte, são a Ursa Maior, Ursa Menor, Orion e a Cassiopeia. Já no Hemisfério Sul, é o Cruzeiro do Sul quem orienta os navegantes.

Na fantástica viagem que iniciei no dia 30 de maio de 1981, é você quem tem feito às vezes de constelação orientadora. E quer saber? Nunca fiquei à deriva. E é maravilhoso ter você comigo!

Feliz Aniversário, mãe! Preciso dizer?


Now listening: Ode To My Family, by The Cranberries

PetroCity

Voltando à série viagens fantásticas...




Jorge de Altinho, cantor e compositor pernambucano, é um dos artistas que melhor retratam a beleza do meu estado. Já cantou o Rio Una, descrevendo todo o seu trajeto desde a sua nascente, no município de Capoeiras, no agreste meridional, passando por Altinho, Agrestina, Palmares, até chegar "no meio do mar". Já cantou a sua terra natal, Altinho, descrevendo a sua infância na Fazenda Santo Antônio. E cantou a jóia do Sertão Pernambucano, o encontro das duas cidades irmãs, separadas apenas pelo Rio São Francisco, nos seguintes versos:

"Nas margens do São Francisco nasceu a beleza
E a natureza ela conservou
Jesus abençoou com sua mão divina
Pra não morrer de saudade vou voltar pra Petrolina

Do outro lado do rio tem uma cidade
Que na minha mocidade eu visitava todo dia
Atravessava a ponte, mas que alegria
Chegava em Juazeiro, Juazeiro da Bahia

Ainda me lembro dos meus tempos de criança
Esquisita era a carranca e o apito do trem
Mas achava lindo quando a ponte levantava
E o vapor passava num gostoso vai-e-vem

Petrolina, Juazeiro
Juazeiro, Petrolina
Todas as duas eu acho uma coisa linda
Eu gosto de Juazeiro
E adoro Petrolina."


Estive em Petrolina, no último final de semana, visitando Jeronne, amigo de 16 anos atrás. E, se eu pudesse, fazia como cantou o Jorge: para não morrer de saudade (não só do amigo, mas da cidade), voltaria para Petrolina. A jóia do Sertão Pernambucano, maior exportador de frutas do estado, capital da vinicultura, compõe, junto com Juazeiro, na Bahia, um dos cenários mais bonitos que já vi em minha vida.

O clima é quente durante todo o dia, e esfria vertiginosamente a noite, característica do semi-árido nordestino. O cultivo de frutas, a indústria, um dos maiores portos fluviais do Brasil, e o turismo, têm injetado desenvolvimento à cidade, que não pára de crescer. A orla fluvial da cidade me lembra muito o Bairro de Boa Viagem, na capital, com vários edifícios altos e luxuosos. Gastronomia bem característica da região com dois pólos famosos: o Galinhódromo - onde se come galinha de cabidela, ou assada, com feijão de corda, arroz ou baião de dois - e o Bodódromo, onde a especialidade, como o próprio nome já sugere, é o bode, assado ou cozido (guisado). E vários passeios para o seu entretenimento, como as travessias para a Ilha do Rodeadouro, e outras Ilhas no meio do Rio São Francisco. Ah! E não esqueçam de comer um peixinho, pescado lá mesmo e tratado e preparado pelos bares nas margens do Rio. Diversão garantida, e o cenário, é de tirar o fôlego!

Now listening: Velho Chico, by Geraldo Azevedo.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

"Olha, será que ela é moça, será que é de vidro, o rosto da atriz?"



Era o dia 14 de abril de 2007. Assim como este ano, chovia torrencialmente em Recife. E às 09h50min você nasceu. Sua gestação tinha sido complicada, mas mesmo assim, você nasceu forte, saudável, uma criança tranquila, e linda. Ouso afirmar inclusive que não havia bebê mais lindo do que você no berçário (coisas de madrinha coruja).

Fui eu quem dei a sugestão do seu nome. E acredito que não haja outro mais apropriado. Beatriz, bem vinda; aquela que traz alegria para as pessoas. E desde o seu primeiro choro você não tem nos trazido outra coisa, além de muita alegria. Soprou novo fôlego, nova vida, dentro do meu coração partido, magoado, dos percalços da vida.

Você é pequenininha ainda, não sabe ler, nem escrever. Mas tenho certeza de que, daqui a alguns anos, quando isso for possível, você vai sentir a emoção transbordando destas linhas que escrevo agora, com lágrimas nos olhos.

Meu amor, minha princesinha, minha bonequinha... Que a felicidade que hoje você me traz se multiplique infinitamente por toda a sua vida! Que este seu sorrisinho que me encanta e me enternece sempre possa adornar o seu rosto. Madrinha vai estar sempre, sempre, do seu lado, aconteça o que acontecer. Nunca esqueça de quem você é, e que você foi concebida com muito amor!


Now listening: Little Star, by Madonna.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Perfeita em vão - Por corramarry.com


E lá está você anotando no caderninho mental tudo o que aquela pessoa gosta, quer e espera de alguém, e sendo. Sendo aquilo que você faz força para ser, porque você sabe que ser apenas você mesma, é ser alguém que troca os pés pelas mãos e que sempre acaba boicotando suas próprias vontades. Ser você mesma é o que há de mais imperfeito em toda sua essência.

Lá está você sendo perfeita em vão, sendo perfeita para que ninguém veja, sendo perfeita para alguém que não precisa da sua perfeição. Você se esforça ao seu máximo, mas a sua perfeição e o seu máximo nunca são o suficiente.

E cansa. Cansa demais demorar um mês inteiro para ser perfeita, e em questão de segundos ser jogada o mais longe possível. Cansa demais se perguntar onde tudo desandou. Cansa demais não aceitar que tudo tenha desandado. Cansa demais se culpar, culpar os outros, culpar alguém. Cansa demais ser perfeita em vão.

Você finge que não se importa, e isso também cansa demais. Você tenta não esperar nada, mas você ainda está parada na mesma estrada em que te deixaram esperando por alguém que não vai voltar. Mas você continua a esperar. E então o bichinho da esperança começa a ser esmagado pelos dias de espera. Dias que viram semanas e semanas que viram meses, e você se recusa a esperar que os meses virem anos. Mas essa espera já não depende mais de você. Essa espera depende daquilo que você abafou por tanto tempo com a sua enorme vontade de ser perfeita.

E que merda é ser perfeita. Que merda é esconder os erros do outro debaixo do tapete, mas se martirizar por um vida inteira pelos seus. Que merda ter que aceitar que acabou. Que merda ter que dar a volta por cima. Que merda não achar o botãozinho interno que decretaria o fim, sem volta, sem retorno, sem a bosta de esperança. Que merda não conseguir ser perfeita para você mesma.

As pessoas caem nas frases feitas, nas ilusões criadas por elas mesmas, nos medos mais internos e em suas enormes vontades nunca saciadas. Porque dessa vez pode ser diferente. Dessa vez, você se preparou. Mas a verdade é que quando a dor diz “Querida, cheguei”, todo o preparo sai pela porta dos fundos.

Now listening: Everybody Hurts, by R.E.M

domingo, 27 de março de 2011

Post Musical - "Já não tenho dedos pra contar..."

It's My Life
Talk Talk

It's funny how I find myself
In love with you
If I could buy my reasoning
I'd pay to lose
One half won't do
I've asked myself how much do you
Commit yourself
It's my life
Don't you forget
It's my life
It never ends
Funny how I blind myself
I never knew
If I was sometimes played upon
Afraid to lose
I would tell myself what good you do
Convince myself
It's my life
Don't you forget
It's my life
It never ends
It's my life
Don't you forget
Caught in the crowd
It never ends
It's my life
Don't you forget
Caught in the crowd
It never ends


Liz Taylor said... (1932 - 2011)

"Sou um exemplo vivo do que as pessoas são capazes de fazer para sobreviver. Mas não sou uma qualquer. Sou eu."

Sobrevivendo...

"Naquela noite, tivemos um sinal de alarme. Mais tarde, descobri que se tratava apenas de uma batida de reconhecimento nos arredores, mas não sabia disso enquanto estava em ação, e tampouco os outros sabiam. O campo de pouso já fora atingido antes pelos sapadores. Pessoas haviam morrido, diversos aviões e helicópteros tinham ido pelos ares. Podia acontecer outra vez. A gente só fica sabendo que um ataque é 'apenas uma batida de reconhecimento' depois que termina. Fiquei de pé, do lado de fora, ao lado de outros soldados recém-chegados e observava homens berrando, correndo seminus em várias direções. Caminhões passavam em alta velocidade, alguns com luzes giratórias iguais às dos carros-patrulha da polícia. Por entre estridentes e nervosos disparos de M-16, eu podia ouvir o matraquear de metralhadoras pesadas, num som profundo e metódico. Clarões irrompiam no alto. Recobriam tudo com uma luz fria, trêmula.

Ninguém vinha nos dizer o que estava acontecendo. Não tínhamos recebido nosso equipamento de combate, portanto não possuíamos armas, munições, coletes à prova de balas, nem sequer um capacete de aço. Estávamos indefesos. E ninguém sabia nem se importava com isso. Haviam se esquecido de nós - ou, para ser mais exato, haviam se esquecido de mim. Naquele lugar todo, não havia uma única pessoa pensando em mim, pensando assim, meu Deus, é melhor eu ir até lá dar uma olhada e ver se está tudo bem com o Tenente Wolff! Não. Eu não estava no pensamento de ninguém. E compreendi que isso era verdade não só ali mas em todo e qualquer centímetro quadrado daquele país. Não havia uma única pessoa ali preocupada em saber se eu estava vivo ou morto. Talvez alguns corações mais brandos se importassem, em abstrato, mas era meu destino ser um indivíduo concreto e, como indivíduo, havia, a meu respeito, um indiscutível e completo desinteresse.


Não é verdade que ninguém se importava. Eu me importava. Aos meus olhos, parecia que eu dava importância excessiva, mais do que seria decente ou adequado a um homem. Podia sentir minha vida quase como se fosse uma coisa à parte, suplicando que eu a protegesse."


Now listening: Alive and Kicking, by Simple Minds.

(Extraído de "No Exército do Faraó - Memórias da guerra perdida, de Tobias Wolff)

quinta-feira, 24 de março de 2011

Cada Vez Mais...




Um passo de cada vez,
Um alento de cada vez,
Um degrau de cada vez,
Uma palavra de cada vez,
Um dia de cada vez.

(Extraído do Blog Alma Gêmea, com foto de J. Torres)

Now listening: Everybody Hurts, by The Corrs.

terça-feira, 15 de março de 2011

Post Musical

A letra da música fala por si só.

A Mulher de Pilatos - Lançando o Feitiço (por Antoninette May) - parte II


"Meus dedos tornaram a descansar no sistro, um instrumento a ser tocado quando se quer desafiar uma situação. Suspirei; era um caso perdido. Todos sabiam que as leis do destino estavam escritas nas estrelas... Tentar suplantar seus imperativos cósmicos era algo que ninguém nunca tinha ouvido... mas Ísis havia ajudado Cléopatra... Se tenho que arranjar um marido, por que não o que desejo?
Justo nesta hora, Pilatos deu uma olhada para trás e me viu sentada. Trocamos um olhar demorado que me aqueceu o corpo, encheu-me de excitação e reforçou minha determinação.

...

Um dia, mamãe resolveu desfrutar uma tarde em casa com Tata. Era a oportunidade pela qual vinha esperando. Raquel e eu saímos para comprar um presente de aniversário para Agripina, escolhemos um colar de contas grandes de âmbar e, em seguida, embarcamos depressa numa missão diferente.
O Iseneum de Antioquia, embora menor que o de Alexandria, me fez lembrar uma jóia delicada. Passei depressa pelos mosaicos primorosos, prometendo a mim mesma examiná-los em detalhe numa outra ocasião. Parei para ajoelhar diante de uma estátua de Ísis, murmurei algumas palavras de súplica, depois levantei para encarar a sacerdotisa idosa que veio receber-me no átrio.

- Preciso falar com seu mistagogo - expliquei.

A sacerdotisa abanou a cabeça com um sorriso lamentoso.

- Está na hora da meditação dele. Volte mais tarde, talvez esta noite.
- Não posso vir mais tarde. Tem que ser agora. É um assunto muito importante.
- Todos sempre acham que o seu assunto é "muito importante". Não creio tê-la visto aqui antes.
- É a minha primeira visita. - admiti, acrescentando: - Fiz minha iniciação em Alexandria.
- Ah, uma iniciada! - disse a sacerdotisa, olhando-me com mais interesse. - Vejo que está usando o sistro.
- Ganhei-o da suma sacerdotisa de Alexandria. Vocês têm uma cripta aqui?
- É claro que temos, e está cheia da água sagrada do Nilo. Gostaria de vê-la?
- Não, uma vez foi o bastante, mas gostaria de ver o mistagogo. A senhora pode perguntar se posso? - pedi com um olhar súplice para a mulher idosa.

Ela pensou por um instante, depois fez sinal para segui-la.

- A decisão será dele.

Meu coração disparou quando deixei Raquel no átrio e acompanhei a sacerdotisa, entrando num corredor de mármore. Se ao menos o mistagogo fosse mulher! Será que conseguiria explicar meu problema a um homem? Por mais que desejasse ajuda, seria quase um alívio caso ele se recusasse a me receber.

Não se recusou.

De estrutura franzina, o mistagogo usava uma túnica de linho branco, elegantemente talhada. Sua pele era morena-clara, e o cabelo, encaracolado e bem aparado, levemente entremeado de fios grisalhos. Perscrutei seus olhos límpidos e percebi uma certa tristeza por trás da sofisticação.

- Há um homem - comecei, hesitante. - Creio que o amo.
- Crê? - perguntou o mistagogo, elevando uma sobrancelha escura e lustrosa.
- Eu realmente o amo. - corrigi-me. Do que mais poderia se tratar? Meus primos, Druso e Nero, por mais queridos que fossem, nunca me fizeram ficar acordada à noite, pensando, especulando, desejando tocá-los. O que sentia por Pilatos não se assemelhava a nada que tivesse experimentado. Só podia ser amor.
- E ele a ama?
- Poderia amar. Sei que poderia... eu sinto isso... mas o dinheiro e a posição são importantes para ele. Todos falam de sua ambição.
O mistagogo me estudou pelo que pareceu ser muito tempo.
- Sim - disse finalmente. - Tem razão. Ele poderia amá-la, amá-la muito. Um dia, ele dependerá de você de um modo que você nem pode imaginar, mas isso não o transforma no homem certo. Há outra pessoa. Seria sensato esperar por ela.
- Não quero esperar. Quero esse homem.
Um sorriso irônico se abriu brevemente nos lábios do mistagogo.
- Então reze para Ísis.
- Preciso mais do que orações. Meus pais têm pouco dinheiro para o dote. Dizem que é um caso perdido.
- Você quer um feitiço de amor.
- Sim - murmurei.
- Você é uma jovem excepcional, dotada de vidência.
- O senhor sabe disso?
- Sei e fico surpreso por você não estar ciente do quanto os feitiços podem ser aprisionadores.
- É isso que eu quero! Quero prendê-lo. O senhor não pode me ajudar?
- Há um preço.
Abri a bolsa que levava na cintura e esvaziei seu conteúdo. Duzentos sestércios.
- São tudo o que tenho, eles e este bracelete - e tirei do pulso uma pulseira de ouro.
O mistagogo recebeu o dinheiro e a pulseira, guardando-os numa gaveta da mesa.
- Há um preço muito maior. Você o pagará depois."

Acho que não.

Now listening: Fascination, by Everything But The Girl.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Amar pela metade, ou amar sem medida?

Gonzaguinha era, sem dúvida, um compositor genial. Visceral. E compôs uma obra prima chamada "Mulher, e daí?". Acabei achando enquanto procurava alguma letra que expusesse ao mundo as minhas próprias chagas de um coração partido... sim, meus dignos cinco leitores (talvez a demora em atualizar o blog esteja provocando uma evasão em massa dos meus leitores), expor ao mundo, e o que é que tem? Não tem essa de se fazer de coitadinha não... é que não consigo fingir estar tudo bem quando não está tudo bem. "Don't say you're up when you're down, it's Elemental!", já dizia o bom e velho Orzabal!

Quanto se ganha amar pela metade, ou amar sem medida? Quanto se perde?

Quanto se preserva amando superficialmente, comendo pelas beiradas, quando o momento pede para que você sorva a presença ou a ausência em grandes goles até que isso venha a sufocar, a sangrar, a arrebentar, como um ferimento de dentro pra fora...

E aí, a ilusão termina. Acho que li isso no horóscopo do meu signo ascendente, hoje.

Mulher e daí?

Acima de tudo, mulher. Não sei criar personagens. Já dá trabalho demais ser quem sou.

- By Melonella -

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A Fábula do Jabuti na Árvore

Naquela floresta, como em todas as florestas dos contos, reinava o leão. Como rei, não era de ficar zanzando pela floresta. Afinal, uma realeza que se preze, tem de manter uma certa distância dos súditos e da plebe. Raramente, sua alteza, o Leôncio, fazia uma aparição na praça principal, onde havia uma grande árvore – a mais frondosa e imponente de todo o reino.

A vida corria dentro da normalidade. Certo dia, dona arara, repórter local, chegou ao seu escritório, em um galho privilegiado (de onde podia saber tudo a respeito da vida de todos) da árvore central. Começava a preparar a pauta do dia, quando notou algo diferente no galho vizinho: muito bem estabelecido, de mala e cuia, estava ali um jabuti.



Após a edição daquele dia do jornal das oito, a curiosidade e a apreensão com o novo habitante do reino começou a tomar conta de todos. Alguns, curiosos por saber o que ele estava fazendo ali; outros, indignados porque ali não era lugar para um jaboti passar o tempo inteiro sem fazer nada.

Aos poucos, a sociedade foi se acostumando com a presença enigmática do cascudo:
  • O urubu, com as piores intenções possíveis, começou a frequentar o galho para ficar horas e horas de papo com o jabuti.
  • A arara, por sua vez, acabou gostando do vizinho. Na falta de pauta para o jornal, tinha sempre um assunto.
  • As cobras começaram a nutrir inveja silenciosa. Um dia, aquele lugar na árvore havia de ser seu.
  • Formigas continuaram a carregar suas folhinhas para lá e para cá, sem tempo para ficar especulando.
  • Os macacos, quando não tinham nada para fazer, passavam na árvore, para tomar um café e bater um papo.
  • O hipopótamo olhava para cima, pensava um pouco e lembrava-se que o galho da árvore não era coisa para ele.
  • A dona coruja… essa só observava mesmo, com a atenção e a discrição que todo mundo conhecia.
Quem não se acostumou, foi o cão. Com a seu instinto canino, achava que aquele animal fora de lugar, sem função alguma, desequilibrava o ecossistema. Bicho errado no lugar errado, sem nada para fazer, é um perigo. Cedo ou tarde, dá confusão.

Começou, então, a sua cruzada particular: latia insistentemente, pulava balançava a árvore, a fim de desestabilizar o invasor. Em tentativas desesperadas, tentou até alianças com urubus e macacos – sem sucesso. Nada abalava o jabuti.

De repente, apareceu o rei Leôncio. Perguntou ao cão o motivo daquela algazarra. O cão começou a expor seus motivos, mas não chegou a terminar. Foi abrupta e violentamente interrompido pela pata pesada e afiada do rei. Em seguida, a revelação aterradora e uma sentença:

“Chega! Quem colocou o jabuti na árvore fui eu – e tenho meus motivos. Quanto a você, inconveniente, não há mais lugar para você nessa floresta. Vá embora e não volte nunca mais!”.

Manco de uma perna, o cão saiu com o rabo entre as pernas, sob os olhares apreensivos e curiosos de todos. Nunca mais pôde voltar. Quanto ao jabuti… por que você quer saber? É melhor não incomodá-lo – não faz bem para a saúde.

Daquele dia em diante, todos aprenderam a lição: Jabutis não sobem em árvores. Se ele está lá, não mexa com ele. Alguém com esse poder o colocou lá.

Extraído do blog "A Hora do Recreio", de Berenice.


Now listening: Heaven Knows I'm Miserable Now, by The Smiths.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Post Musical - Plantão da Globo


Pra bom entendedor...
"Things are changing
But nothing changes
And still there are changes
Le roi est mort, vive le roi!..."

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Simplicidade, pense nisso - por Luan Veiga

"Nos idos tempos da guerra fria, astronautas americanos e cosmonautas soviéticos disputavam a conquista do espaço, e se depararam com o problema de como se escrever sob gravidade zero. A tinta no tubo das canetas simplesmente não descia devido à ausência da gravidade.

Os americanos investiram pesado na resolução do problema: 13 milhões de dólares foram aplicados em uma década de pesquisa da NASA, em uma caneta que se prestasse ao dever maior de humilhar os Soviéticos na conquista do espaço. Outros centros de pesquisa se engajaram na questão de honra à pátria, até que criaram uma sofisticada esferográfica com um sistema de autobombeamento termofluido trifásico, que escrevia não só sob gravidade zero, mas em qualquer condição e superfície, e até de cabeça para baixo.

Os russos usaram um lápis."


Now listening: It comes and it goes, by Dido.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Mais um Post Musical

Espero que, assim como o rio só corre pro mar, possamos correr de encontro ao nosso destino, contornando os diversos obstáculos, até alcançar a plenitude.

Sim, meus queridos seis leitores, estou MUITO otimista hoje!

Find The River
R.E.M

Hey now, little speedyhead,
the read on the speedmeter says
you have to go to task in the city
where people drown and people serve.
Don't be shy. Your just deserve
is only just light years to go.

Me, my thoughts are flower strewn
ocean storm, bayberry moon.
I have got to leave to find my way.
Watch the road and memorize
this life that pass before my eyes.
Nothing is going my way.
 
The ocean is the river's goal,
a need to leave the water knows
We're closer now than light years to go.
 
I have got to find the river,
bergamot and vetiver
run through my head and fall away.
Leave the road and memorize
this life that pass before my eyes.
Nothing is going my way.
 
There's no one left to take the lead,
but I tell you and you can see
we're closer now than light years to go.
Pick up here and chase the ride.
The river empties to the tide.
Fall into the ocean.
The river to the ocean goes,
a fortune for the undertow.
None of this is going my way.
 
There is nothing left to throw
of Ginger, lemon, indigo,
coriander stem and rose of hay.
Strength and courage overrides
the privileged and weary eyes
of river poet search naivete.
Pick up here and chase the ride.
The river empties to the tide.
All of this is coming your way.

- By Melonella -

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Um P.S.

Ontem, quando cheguei ao Agreste, fui recebida com um verdadeiro dilúvio. Chovia a potes, não víamos um palmo a nossa frente quando dirigíamos de Surubim até Caruaru.

Hoje o sol voltou a aparecer.

Nenhum lugar no mundo consegue refletir tão bem o meu estado de espírito.


Now listening: I Wish Would Rain Down, by Phil Collins.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Agreste

Sempre quis escrever algo sobre a região que para mim é muito mais do que um local de trabalho. É o meu refúgio particular. É onde meus olhos se perdem pela paisagem por vezes árida, por vezes fértil. "This used to be my playground", já cantava a Madonna.

Primeiro vamos à aula de Geografia...
Segundo o Wikipédia, a mesorregião do Agreste Pernambucano é uma das cinco mesorregiões do estado brasileiro de Pernambuco, estendendo-se por uma área aproximada de 24400 km², inserida entre a Zona da Mata e o Sertão. Representa 24,7% do território pernambucano e conta com uma população de cerca de 1,8 milhões de habitantes (25% da população do Estado). O clima é predominantemente semi-árido, embora apresente áreas mais úmidas.

Igualzinho a mim. Os dias são ensolarados na maior parte do tempo, mas quando desaba a tempestade...

Esta foto foi tirada por Anderson Carvalho. Traz um belíssimo por-do-sol e as torres de telefonia sobre o Morro do Bom Jesus, em Caruaru.
Now listening: "This Used To Be My Playground" by Madonna. 


sábado, 8 de janeiro de 2011

Post Musical

 
There's a Place For Us
Phil Collins
 
'...There's a place for us, somewhere a time and a place.'

So here we are together
just you and me
sitting side by side
don't know why
with time just racing by
but I don't want to go


Well I don't know much about it
'cos all I am is what you see
in front of you
there's no more
feels so close and yet so far
but I don't want to go
Here I am, take my hand
here I am, please take my hand


I'd like to sit here with you if that's alright
if you don't mind I could sit and stare all night
sit here waiting for you to hold me tight
It's sad but I know it's true
you see I know you well
you'd only laugh at me
and that would hurt me so
just look at me here
you've got me pleading with you
but i don't want to go
'Cos you know that I love you so
yes you know that I love you so


Here. I will be here love
for you love, I will always be here love


If you look real close
you'll see my heart is on my sleeve
and it'll be here waiting
waiting for you, waiting for me
someone once said that if you truly, truly believe
you can make things happen
make things appear to be all that they seem
tell me do you believe?


We'll find a hideaway
together we'll find a way
somewhere, somehow, we'll find some way
there must be somewhere
there must be someplace
we can find somewhere
where they don't know my face
believe me we can find it
yes we can find it
somewhere, there's a place for us
somewhere, a time and a place for us
somewhere

Escolhas...

Já era cedo quando eu secava e domava as minhas madeixas rebeldes no salão. O rádio estava sintonizado numa emissora evangélica, cujo som era abafado pelo barulho do secador. Absorta em minha própria impaciência em ver acabar todo aquele martírio, ouvi uma frase, que foi exaustivamente repetida pelo locutor enquanto pregava o evangelho: "O homem faz suas escolhas e as escolhas fazem o homem".

A frase foi forjada na minha cabeça como o ferro é forjado através do calor e de golpes constantes do martelo contra uma bigorna. Sim, é verdade. O homem faz suas escolhas. Você, meu nobre leitor fez as suas escolhas, e não falo sobre a escolha entre tomar um sorvete de kiwi ou de jiló (e fatalmente recaio sobre isso). Sem dúvida você escolheu sacrificar seu sábado para estudar um pouco mais aquela matéria em que você ficou em recuperação, ou para cuidar de um ente querido. Ou escolheu passar o final de semana em Porto de Galinhas e atrasou aquele trabalho importante pra ser entregue numa segunda-feira. Pagou o ônus e recebeu os bônus por cada direcionamento dado à própria vida.
Escolhi a estabilidade e segurança da minha família, desta vez.  Escolhi não cometer o mesmo erro duas vezes. Se as escolhas me farão no futuro, só tempo é quem dirá.

"Maybe we'll be again, somewhere, again...", já dizia uma balada de amor antiga.

Now listening: Carrie, by Europe. "Things may change, my friend..."

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Formoso Cisne

Loreenna Mckennitt, cantora e instrumentista canadense, é conhecida pelos seus discos conceituais e pela sua intimidade com a cultura celta.

O álbum "The Mask and The Mirror", de 1994, é um bom exemplo disso. Ela conta, em suas belíssimas melodias, várias histórias que se fundem em seus conceitos, levando quem está ouvindo a uma viagem mágica pela história e cultura de povos antigos, além das fábulas que também lhe servem de inspiração.

Uma das músicas do álbum, "The Bonny Swans", conta a lenda de um fazendeiro que tinha três filhas. A mais nova era enamorada de um belo rapaz e era hostilizada por sua irmã mais velha por ter seu amor correspondido. Enquanto caminhavam pela margem de um lago, a mais nova foi empurrada pela mais velha, vindo a afogar-se e se transformar em um cisne.

O cisne é resgatado por uma das irmãs, e quando chega a margem do lago transforma-se em uma harpa, cujas cordas foram feitas pelos cabelos da irmã mais nova. A linda harpa é levada à sala da casa do fazendeiro, e, como por encantamento passa a entoar sozinha as canções, denunciando a irmã mais velha por seu crime.

Nada realmente fica encoberto por muito tempo...

Segue a letra:


"A farmer there lived in the north country
A hey ho bonny o
And he had daughters one, two, three
The swans swim so bonny o
These daughters they walked by the river's brim
A hey ho bonny o
The eldest pushed the youngest in
The swans swim so bonny o

Oh sister, oh sister, pray lend me your hand
With a hey ho a bonny o
And I will give you house and land
The swans swim so bonny o
I'll give you neither hand nor glove
With a hey ho a bonny o
Unless you give me your own true love
The swans swim so bonny o

Sometimes she sank, sometimes she swam
With a hey ho and a bonny o
Until she came to a miller's dam
The swans swim so bonny o
The miller's daughter, dressed in red
With a hey ho and a bonny o
She went for some water to make some bread
The swans swim so bonny o

Oh father, oh daddy, here swims a swan
With a hey ho and a bonny o
It's very like a gentle woman
The swans swim so bonny o
They placed her on the bank to dry
With a hey ho and a bonny o
There came a harper passing by
The swans swim so bonny o

He made harp pins of her fingers fair
With a hey ho and a bonny o
He made harp strings of her golden hair
The swans swim so bonny o
He made a harp of her breast bone
With a hey ho and a bonny o
And straight it began to play alone
The swans swim so bonny o

He brought it to her father's hall
With a hey ho and a bonny o
And there was the court, assembled all
The swans swim so bonny o
He laid the harp upon a stone
With a hey ho and a bonny o
And straight it began to play lone
The swans swim so bonny o

And there does sit my father the King
With a hey ho and a bonny o
And yonder sits my mother the Queen
The swans swim so bonny o
And there does sit my brother Hugh
With a hey ho and a bonny o
And by him William, sweet and true
The swans swim so bonny o
And there does sit my false sister, Anne
With a hey ho and a bonny o
Who drowned me for the sake of a man
The swans swim so bonny o"
E o belíssimo vídeo da música, claaaaro!