segunda-feira, 30 de maio de 2011

Quando eu fiz trinta anos...



No ano em que eu fiz trinta anos, o terrorista mais procurado do mundo, o saudita Osama Bin Laden, foi encontrado numa mansão em Abbutabad, no Paquistão, próximo à uma base militar e morto, depois de quase doze anos desde que assumira a autoria dos ataques às Torres Gêmeas do World Trade Center, nos Estados Unidos.

No ano em que eu fiz trinta anos, foram encontradas as caixas pretas do A330 da Air France, que fazia a rota Rio de Janeiro Paris (Võo 447), vitimando 228 pessoas, o que ajudaria a esclarecer um dos maiores desastres da história da aviação mundial.

No ano em que eu fiz trinta anos um terremoto, um tsunami e um desastre nuclear na usina de Fukushima quase dizimaram o Japão.

No ano em que eu fiz trinta anos, Lars Von Trier, cineasta dinamarquês, deu uma declaração infeliz no Festival de Cannes, dizendo que "entendia Hitler", durante uma coletiva.

No ano em que eu fiz trinta anos o Barcelona venceu a Liga dos Campeões numa final histórica disputada no estádio de Wembley, em Londres, contra o Manchester United, time do qual aprendi a gostar por causa do Morrissey, meu alter-ego masculino (I've been dreaming of a time wheeeeeeeeen...)

No ano em que eu fiz trinta anos, um jovem, que sofria sérios distúrbios mentais, abriu fogo contra alunos em uma escola em Realengo, no Rio de Janeiro, vitimando 12 adolescentes, deixando feridos outros seis, abrindo uma discussão maior sobre o Bullying e os seus efeitos.

No ano em que eu fiz trinta anos, Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, visitou o Brasil pela primeira vez.

No ano em que eu fiz trinta anos, a união civil entre pessoas do mesmo sexo foi aprovada pelo Governo Brasileiro.

No ano em que eu fiz trinta anos, descobriu-se uma nova droga, o Oxi, um produto entre a pasta base de cocaína e a cal, mais barata e 10 vezes mais mortal do que o crack, e isto virou uma verdadeira epidemia no meu país.

No ano em que fiz trinta anos, vi correrem boatos de enchentes semelhantes a de 1979 na minha cidade natal, Recife, espalhando o pânico entre as pessoas, mergulhando a cidade num caos generalizado.

No ano em que fiz trinta anos, vi o Sport Club do Recife, meu time do coração, fazer uma campanha pífia, ridícula, mas mesmo assim, se classificar para as finais do campeonato pernambucano. Porém, perdeu a oportunidade de ser Hexa Campeão, diante do Çanta Crui, um time da 4ª divisão do campeonato brasileiro. (Não, não foi no dia 01 de abril).

No ano em que eu fiz trinta anos, vivi uma curta, porém intensa história de amor, que me deixou em frangalhos, mas me fez refletir sobre os sentimentos (ou a falta de) alheios. Permiti-me a isto, e me magoei. Mas, como diria uma amiga querida, Vânia Medeiros, borboleta como eu, prefiro a dor a nada sentir.

No ano em que fiz trinta anos, me matriculei na minha pós-graduação dos sonhos, realizei o sonho de ensinar em cursos profissionalizantes de segurança do trabalho, saí da Compesa e fui para o Banco do Nordeste, depois de quase um ano de espera desde a homologação do concurso.

Tudo isso aconteceu no ano em que eu fiz trinta anos.

E querem saber?

Que venham os próximos trinta!

Feliz aniversário, Ericka Campos. Feliz aniversário para mim!

Amigos queridos, muito obrigada por tudo!

By Melonella.

Now listening: Maravida, by Gonzaguinha.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Papai da Cidade - Por Pedro Lazera




Você viu seu time cambalear desde o início do campeonato.
Aturou mais segunda-feiras ingratas do que qualquer um em 2011.
Viu reforços entrando por uma porta e saindo pela outra.
Você teve a pressão como a maior companheira desde a primeira rodada.
Perdeu para os pequenos, caiu contra os miúdos.
Viu a maior esperança de gols do seu time enfrentar a escuridão.
Você viu parcos momentos de bom futebol.
Vibrou a vitória contra o lanterna da competição como se fosse um título.
Viu goleiro virar atacante, viu atacante virar goleiro.
Você foi motivo de chacota para os rivais e para os orixás.
Perdeu rapidamente a chance de conquistar mais uma estrela dourada.
Você viu seus rivais triunfando, sendo notícia.
Teve que ver a pior campanha do seu time na história.
Foi a campo, enfrentou chuva, sol, cambista, briga de organizadas.
Enfrentou a distância, a internet lenta, o PFC que não passa.
Você saiu derrotado em todos os clássicos.
Viu a possibilidade real de não se classificar para as finais.
Mas você se classificou.
Aos trancos e barrancos, na corda-bamba.
Sem regularidade, sem a formação ideal.
Você se classificou.
E logo de cara, teve que enfrentar o grande favorito.
Aquele que terminou dez pontos à sua frente.
Aquele com o melhor ataque, aquele que jogava melhor.
Aquele com o grande craque da competição.
Aquele que treme.
Dentro do campo, você viu o duelo do time que estremece a terra contra o time que estremece as pernas.
Fora de campo também.
De repente, você ficou rico.
Disseram que você comprou jogador, comprou juiz, comprou trinta e nove campeonatos.
A única coisa que você comprou foi a briga.
Acreditou, vibrou, viu o tempo parar.
Você viu o Rei Carlos Magnum Trinta e Oito ser coroado mais uma vez o Rei de Pernambuco.
Viu a bola de Bruno Mineiro passar por cima do goleiro.
A mesma bola que ele, com as pernas trêmulas, entregou.
Você viu um gol legítimo ser anulado.
Viu o choro.
Nas arquibancadas rosas, na coletiva de imprensa, nas redes sociais.
Você viu milhares de alvirrubros entrarem para a lista de pessoas desaparecidas.
Haja caixa de leite pra caber a foto de todo mundo.
Você viu o fenômeno da telefonia. Alvirrubros perderam seus números de telefone, as baterias acabaram, os celulares foram esquecidos em casa.
O twitter alvirrubro baleiou, gente cometeu orkutcídio, desistiu do facebook.
Você já viu isso antes. Trinta e nove vezes.
Você lutou, sofreu, e por tradição, venceu.
Mas você está com os pés no chão.
Porque sabe que é assim que se comportam os grandes.
E o mais importante.
Diferente de outros, você sabe que um campeonato só se comemora no final.

Torcedor da Barbie: se eu fosse você, nunca mais colocava o carro na frente dos bois. Ou melhor: do boi.

Sopas - Por Rubem Alves




"Se Deus me dissesse para escolher a comida que eu iria comer no céu, por toda a eternidade, eu não teria um segundo de hesitação: escolheria sopa. Camarão, picanha maturada, salmão à Dali, os pratos mais refinados: tudo me seria insuportável após umas poucas repetições. Mas não é assim com as sopas. Posso tomar sopa por toda a eternidade, sem me cansar.

Minha relação com as sopas é mais que gastronômica: é uma relação de ternura. Elas me reconduzem à cozinha de minha casa de menino, ao fogão de lenha, às tardes de inverno. A janta (janta, mesmo; jantar é coisa de rico) era servida às 5 da tarde. Ah! Uma sopa quente que se toma numa tarde fria é uma lareira que se acende no estômago. O calor, aos poucos, se espalha pelo corpo. Com umas gotinhas de pimenta, então, ele se transforma em suor, e se a gente não usa o guardanapo a tempo, as gotas de suor na testa acabam por cair no prato da sopa...

Para mim a sopa é um sacramento de intimidade: um objeto físico, presente, no qual vive uma felicidade que se teve, ausente. A sopa quente me transporta para outros lugares, outros tempos. Faço e gosto de sopas frias. Sopa fria de maçã, por exemplo, tem um sabor exótico. Agrada-me ao paladar. Mas falta a essas sopas sofisticadas o elemento sacramental: elas não me levam a lugar algum. Falta-lhes o calor para me reconduzir ao espaço de intimidade.

Sopa é comida de pobre. Sopa fina, creme de aspargos, creme de palmito, sopa gelada de maçã, é nobreza posterior. As sopas fundamentais se fazem com sobras. Sobra, é só pobre quem guarda. Sopa é comida de guerra, de fome, quando qualquer raspa de comida é bem precioso, que não pode ser perdido. Rico não guarda sobra. Não precisa. É humilhante. Sobra de rico vai para o lixo. Sobra de pobre vai para o caldeirão de sopa. As sopas fundamentais se fazem com sobras, destinadas ao lixo. A sopa é uma poção mágica por meio da qual o que estava perdido é salvo da perdição e reconduzido à circulação da vida e do prazer.

A imaginação de Bachelard diz que a matéria também imagina. A água imagina arcos-íris. As sementes imaginam flores e árvores. O mármore imagina ‘Beijos’ (Rodin) e Pietás (Miguel Ângelo). O rios imaginam nuvens (Heládio Brito). As comidas também imaginam. O churrasco imagina espetos, facas, garfos: objetos fálicos, masculinos, infernais. O churrasco precisa de perfurações, cortes, dilacerações. As mandíbulas lutam com a carne. A carne resiste.

Já a sopa é mansa. Não é para ser comida. A colher é um côncavo, um vazio, o feminino. Nada é perfurado. O gesto é o de ‘colher’: a colher colhe, sem violência. Sempre tive implicância com uma etiqueta snob, para a tomação de sopa: que o delicado é tomar a sopa com o lado da colher, e não com o bico. Ora, ora - eu argumentava - por analogia a gente deveria comer comida sólida com o lado do garfo - o que não é possível. De fato. Não é possível. É que o garfo pertence à ordem dos talheres pontiagudos, perfurantes: entram pela frente. A colher pertence à ordem dos talheres discretos e modestos: entram pelo lado, mansamente...

Salvador Dali, quando menino, sonhava em ser cozinheiro. Preferiu a pintura e produziu suas maravilhosas telas surrealistas. O realismo, em pintura, se constrói sobre o pressuposto de que as coisas são aquilo que parecem ser, nem mais e nem menos. Os olhos, diante de uma tela realista, jamais experimentam a surpresa do impossível ou do impensado. O realismo confirma aquilo que os olhos comumente vêem. O surrealismo, ao contrário, acha que aquilo que os olhos comumente vêem é muito pouco: se olharmos com atenção perceberemos que as coisas são, ao mesmo tempo, o que são e também outras: elefantes se refletem nas águas de um lago como cisnes, cenários compõem o corpo erótico de uma mulher, o corpo de Cristo é transparente e através dele se vêem mares, montanhas e barcos. O realismo confirma o criado. O surrealismo recria o criado.

As sopas são a versão culinária do surrealismo. Tivesse realizado sua vocação primeira, Salvador Dali seria um especialista em sopas. Pois as sopas se fazem negando as coisas, na sua realidade natural bruta e transformando-as por meios das relações insólitas que o caldo torna possíveis. O caldo da sopa é o meio mágico que junta no caldeirão aquilo que, na natureza, nasceu separado. Creio ser impossível catalogar as combinações possíveis: fubá, trigo, batata, alho, cebola, nabo, cenoura, tomate, ervilha, ovo, abóbora, mandioca, cará, inhame, carne, peixe, galinha, mariscos, repolho, couve, beterraba, aspargo, palmito, feijão, arroz, queijo, azeitona, pão, maçã, abacate, temperos, pimentas, orégano, tandore - uma canja verdadeira não é canja se lhe faltarem algumas folhinhas de hortelã. E é preciso não nos esquecermos que sopa é a única comida que pode ser feita com pedra, como nos é relatado numa das estórias clássicas que se conta para crianças e adultos.

Gosto das sopas, ainda, por serem elas entidades do mundo dos magos, bruxas e feiticeiros. No mundo mágico não se usa churrasco. Magos, bruxas e feiticeiros fazem suas poções em enormes caldeirões de sopa, como é o caso de Panoramix, druida do Asterix e do Obelix, que prepara sua beberragem de força imbatível num caldeirão de sopa fervente.

Prefiro as sopas rústicas - e fazê-las me dá um grande prazer. A sopa de fubá em suas múltiplas versões, o caldo verde, a canja com hortelã, a multicolorida sopa de legumes: sopas são sempre uma alegria. As sopas rústicas dão permissão para se jogar nelas o pão picado. Haverá coisa mais feliz que isso? Reuno-me com alguns amigos, às 3as. feiras, para ler poesia, ao redor de um prato de sopa.

Uma última informação: sopas são remédios maravilhosos contra depressão. Quando a sopa quente, cheirosa, colorida e apimentada, bate no estômago, a tristeza se vai e a alegria volta. Não há melancolia que resista à magia de um prato de sopa... (Concerto para corpo e alma, p. 69.)"


Now listening: Nada. Só a TV, exibindo o ABTV! :) (Na foto, a minha sopa preferida, a de tomate!)