terça-feira, 15 de março de 2011

A Mulher de Pilatos - Lançando o Feitiço (por Antoninette May) - parte II


"Meus dedos tornaram a descansar no sistro, um instrumento a ser tocado quando se quer desafiar uma situação. Suspirei; era um caso perdido. Todos sabiam que as leis do destino estavam escritas nas estrelas... Tentar suplantar seus imperativos cósmicos era algo que ninguém nunca tinha ouvido... mas Ísis havia ajudado Cléopatra... Se tenho que arranjar um marido, por que não o que desejo?
Justo nesta hora, Pilatos deu uma olhada para trás e me viu sentada. Trocamos um olhar demorado que me aqueceu o corpo, encheu-me de excitação e reforçou minha determinação.

...

Um dia, mamãe resolveu desfrutar uma tarde em casa com Tata. Era a oportunidade pela qual vinha esperando. Raquel e eu saímos para comprar um presente de aniversário para Agripina, escolhemos um colar de contas grandes de âmbar e, em seguida, embarcamos depressa numa missão diferente.
O Iseneum de Antioquia, embora menor que o de Alexandria, me fez lembrar uma jóia delicada. Passei depressa pelos mosaicos primorosos, prometendo a mim mesma examiná-los em detalhe numa outra ocasião. Parei para ajoelhar diante de uma estátua de Ísis, murmurei algumas palavras de súplica, depois levantei para encarar a sacerdotisa idosa que veio receber-me no átrio.

- Preciso falar com seu mistagogo - expliquei.

A sacerdotisa abanou a cabeça com um sorriso lamentoso.

- Está na hora da meditação dele. Volte mais tarde, talvez esta noite.
- Não posso vir mais tarde. Tem que ser agora. É um assunto muito importante.
- Todos sempre acham que o seu assunto é "muito importante". Não creio tê-la visto aqui antes.
- É a minha primeira visita. - admiti, acrescentando: - Fiz minha iniciação em Alexandria.
- Ah, uma iniciada! - disse a sacerdotisa, olhando-me com mais interesse. - Vejo que está usando o sistro.
- Ganhei-o da suma sacerdotisa de Alexandria. Vocês têm uma cripta aqui?
- É claro que temos, e está cheia da água sagrada do Nilo. Gostaria de vê-la?
- Não, uma vez foi o bastante, mas gostaria de ver o mistagogo. A senhora pode perguntar se posso? - pedi com um olhar súplice para a mulher idosa.

Ela pensou por um instante, depois fez sinal para segui-la.

- A decisão será dele.

Meu coração disparou quando deixei Raquel no átrio e acompanhei a sacerdotisa, entrando num corredor de mármore. Se ao menos o mistagogo fosse mulher! Será que conseguiria explicar meu problema a um homem? Por mais que desejasse ajuda, seria quase um alívio caso ele se recusasse a me receber.

Não se recusou.

De estrutura franzina, o mistagogo usava uma túnica de linho branco, elegantemente talhada. Sua pele era morena-clara, e o cabelo, encaracolado e bem aparado, levemente entremeado de fios grisalhos. Perscrutei seus olhos límpidos e percebi uma certa tristeza por trás da sofisticação.

- Há um homem - comecei, hesitante. - Creio que o amo.
- Crê? - perguntou o mistagogo, elevando uma sobrancelha escura e lustrosa.
- Eu realmente o amo. - corrigi-me. Do que mais poderia se tratar? Meus primos, Druso e Nero, por mais queridos que fossem, nunca me fizeram ficar acordada à noite, pensando, especulando, desejando tocá-los. O que sentia por Pilatos não se assemelhava a nada que tivesse experimentado. Só podia ser amor.
- E ele a ama?
- Poderia amar. Sei que poderia... eu sinto isso... mas o dinheiro e a posição são importantes para ele. Todos falam de sua ambição.
O mistagogo me estudou pelo que pareceu ser muito tempo.
- Sim - disse finalmente. - Tem razão. Ele poderia amá-la, amá-la muito. Um dia, ele dependerá de você de um modo que você nem pode imaginar, mas isso não o transforma no homem certo. Há outra pessoa. Seria sensato esperar por ela.
- Não quero esperar. Quero esse homem.
Um sorriso irônico se abriu brevemente nos lábios do mistagogo.
- Então reze para Ísis.
- Preciso mais do que orações. Meus pais têm pouco dinheiro para o dote. Dizem que é um caso perdido.
- Você quer um feitiço de amor.
- Sim - murmurei.
- Você é uma jovem excepcional, dotada de vidência.
- O senhor sabe disso?
- Sei e fico surpreso por você não estar ciente do quanto os feitiços podem ser aprisionadores.
- É isso que eu quero! Quero prendê-lo. O senhor não pode me ajudar?
- Há um preço.
Abri a bolsa que levava na cintura e esvaziei seu conteúdo. Duzentos sestércios.
- São tudo o que tenho, eles e este bracelete - e tirei do pulso uma pulseira de ouro.
O mistagogo recebeu o dinheiro e a pulseira, guardando-os numa gaveta da mesa.
- Há um preço muito maior. Você o pagará depois."

Acho que não.

Now listening: Fascination, by Everything But The Girl.

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