domingo, 27 de março de 2011

Sobrevivendo...

"Naquela noite, tivemos um sinal de alarme. Mais tarde, descobri que se tratava apenas de uma batida de reconhecimento nos arredores, mas não sabia disso enquanto estava em ação, e tampouco os outros sabiam. O campo de pouso já fora atingido antes pelos sapadores. Pessoas haviam morrido, diversos aviões e helicópteros tinham ido pelos ares. Podia acontecer outra vez. A gente só fica sabendo que um ataque é 'apenas uma batida de reconhecimento' depois que termina. Fiquei de pé, do lado de fora, ao lado de outros soldados recém-chegados e observava homens berrando, correndo seminus em várias direções. Caminhões passavam em alta velocidade, alguns com luzes giratórias iguais às dos carros-patrulha da polícia. Por entre estridentes e nervosos disparos de M-16, eu podia ouvir o matraquear de metralhadoras pesadas, num som profundo e metódico. Clarões irrompiam no alto. Recobriam tudo com uma luz fria, trêmula.

Ninguém vinha nos dizer o que estava acontecendo. Não tínhamos recebido nosso equipamento de combate, portanto não possuíamos armas, munições, coletes à prova de balas, nem sequer um capacete de aço. Estávamos indefesos. E ninguém sabia nem se importava com isso. Haviam se esquecido de nós - ou, para ser mais exato, haviam se esquecido de mim. Naquele lugar todo, não havia uma única pessoa pensando em mim, pensando assim, meu Deus, é melhor eu ir até lá dar uma olhada e ver se está tudo bem com o Tenente Wolff! Não. Eu não estava no pensamento de ninguém. E compreendi que isso era verdade não só ali mas em todo e qualquer centímetro quadrado daquele país. Não havia uma única pessoa ali preocupada em saber se eu estava vivo ou morto. Talvez alguns corações mais brandos se importassem, em abstrato, mas era meu destino ser um indivíduo concreto e, como indivíduo, havia, a meu respeito, um indiscutível e completo desinteresse.


Não é verdade que ninguém se importava. Eu me importava. Aos meus olhos, parecia que eu dava importância excessiva, mais do que seria decente ou adequado a um homem. Podia sentir minha vida quase como se fosse uma coisa à parte, suplicando que eu a protegesse."


Now listening: Alive and Kicking, by Simple Minds.

(Extraído de "No Exército do Faraó - Memórias da guerra perdida, de Tobias Wolff)

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