"A casa de Juliette Desrochelles está localizada debaixo de árvores, sobre uma colina, bem pertinho dali, de pedra cinza, com telhado de telhas chatas, com um jardinzinho pequeno e um quintal maior. Tem muitas flores.
Quando Mathilde está na casa, sentada em seu carrinho, depois que terminam as súplicas, as lágrimas e as besteiras, ela pede a Juliette Desrochelles, sua futura sogra, que a empurre até o quintal, onde Manech está pintando, e que a deixe sozinha com ele por um instante. Ele foi avisado da visita. Disseram-lhe que uma moça que ele amou muito vem vê-lo. Ele pergunta seu nome, que acha bonito.
Quando Juliette Desrochelles e Sylvain se retiram, Mathilde está a vinte passos dele. O cabelo dele está negro, todo cacheado.Parece-lhe mais alto do que ela se lembrava. Ele se encontra diante de uma tela, sob um alpendre. Ela fez bem de não pintar os cílios.
Tenta aproximar-se dele, mas o caminho é de cascalho, difícil. Então ele vira a cabeça para ela e a vê. Deixa o pincel e se aproxima, e quando mais ele se aproxima, quando mais ele se aproxima, mais ela pensa que bom que não estou com os cílios pintados, ela não quer chorar mas é mais forte que ela, uma hora ela só o vê aproximar-se através das lágrimas. Enxuga-as depressa. Olha para ele. Está parado a dois passos. Ela poderia estender a mão, ele se aproximaria ainda mais, ela o tocaria. Ele está igual, mais magro, mais lindo que todos, com olhos como Germain Pire descreveu, de um azul muito pálido, quase cinza, tranquilos e doces, com algo no fundo que se debate, uma criança, uma alma massacrada.
Tem a mesma voz de antes. A primeira frase que ela ouve dele, é terrível, ele pergunta: 'Você pode caminhar?'
Ela mexe com a cabeça para dizer que não.
Ele suspira, volta à sua pintura. Ela empurra as rodas, aproxima-se do alpendre. Ele torna a voltar os olhos para ela, sorri. Diz: 'Quer ver o que estou fazendo?'
Ela mexe com a cabeça para dizer que sim.
Ele diz: 'Vou te mostrar daqui a pouco. Mas não já, ainda não está pronto.'
Então, enquanto isso, ela se encosta bem ereta em seu carrinho, cruza as mãos sobre os joelhos, fica olhando para ele.
Sim, olha, olha, a vida é longa e ainda pode carregar muito mais nas costas.
Fica olhando para ele."
Fim.
Now listening: No Good For Me, by The Corrs.
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