"Junho de 1910.
Mathilde tem dez anos e meio. É sexta ou sábado, ela não se lembra mais. Manech tem treze anos desde o dia 4. Está voltando da escola, de calças curtas e casaco de marinheiro, com a pasta nas costas. Pára diante da grade que circunda o jardim de Poema. Vê Mathilde pela primeira vez, sentada em seu carrinho do outro lado.
Por que ele passa na frente da villa naquela tarde, mistério. Mora além do lago de Hossegor, não tem razão alguma para fazer esse desvio. Seja como for, está ali, olha para Mathilde através das grades e depois pergunta: 'Você não pode andar?'
Mathilde faz sinal que não. Ele não acha nada a dizer, vai embora. Um minuto depois, volta. Parece chateado. Pergunta: 'Você não tem amigos?' Mathilde faz sinal que não. Ele diz, olhando para outro lado, achando aquilo muito difícil: 'Se concordar, quero ser seu amigo.' Mathilde faz sinal que não. Ele levanta a mão acima da cabeça, exclamando: 'Ah, merda!' e vai embora.
Desta vez, ele passa pelo menos três minutos sem revê-la. Quando aparece de novo do outro lado das grades, sabe Deus o que fez da pasta, está com as mãos nos bolsos, faz cara de tranquilo e útil. Diz: 'Sou forte. Poderia carregar você nas costas o dia inteiro. Sabe, eu poderia até te ensinar a nadar.' Diz: 'Eu sei como. Com bóias para segurar seus pés lá em cima.' Ela faz sinal de que não. Ele infla as bochechas e sopra o ar. Diz: 'Vou pescar com meu pai, no domingo. Eu poderia trazer uma merluza grande assim para você!' Mostra com os braços um peixe como uma baleia. 'Gosta de merluza'? Ela faz sinal que não. 'De carpa?' Mesma coisa. 'De pata de siri? A gente traz um monte mas redes.' Ela gira a cadeira e empurra as rodas, é ela que se afasta. Ele grita pelas costas dela: 'Parisiense, vai! E eu que ia me deixar fisgar. Será que eu tenho muito cheiro de peixe para você, é?' Ela dá de ombros, ignora-o, faz as rodas girarem o mais rápido possível em direção à casa. Ouve Sylvain que eleva a voz em algum lugar do jardim: 'Então, seu engraçadinho, quer levar um pontapé no traseiro, é?'
(...)
Ele volta na tarde seguinte, na mesma hora. Ela espera. Dessa vez, ele se senta na mureta, do outro lado da grade. Por um tempo, não olha para ela. Diz: 'Tenho uma porção de amigos em Soorts. Não sei por que me incomodo por sua causa.' Ela pergunta: 'É verdade que você saberia me ensinar a nadar?' Ele faz que sim com a cabeça. Ela aproxima o carrinho, toca suas costas para que ele olhe para ela. Ele tem os olhos azuis, o cabelo preto todo cacheado. Apertam cerimoniosamente as mãos através das grades."
(continua)
Extraído de "Um domingo para sempre", de Sébastien Japrisot.
Now listening: Quelqu'un m'a dit, by Carla Bruni.
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